Como nasce a personalidade

O que faz alguém de índole calma ter uma explosão de violência? Como surge a homossexualidade? Por que algumas pessoas se tornam líderes enquanto outras, igualmente inteligentes, têm um destino medíocre?

Explicar o comportamento humano em seus diversos aspectos - no círculo de amizades, no trabalho, no amor, na fé religiosa - sempre foi um desafio para psicólogos e cientistas. Até hoje, as pesquisas sobre o tema produziram duas correntes antagônicas, que contrapõem a natureza e o ambiente social. De um lado estão os defensores da tese de que todos nascem iguais e a personalidade é formada pela aprendizagem e pelas experiências pessoais. Do outro lado, acredita-se que os traços da personalidade são definidos pela herança genética, assim como a cor dos olhos.

Uma série de descobertas recentes terminou com essa discussão. A idéia de que só o ambiente ou só o DNA forma a personalidade foi substituída por outra mais flexível. Todo comportamento tem um componente genético, mas sua manifestação depende de factores ambientais. Sob essa visão, genética e sociedade interagem para moldar o jeito de ser de cada pessoa.

A revolução nos conceitos da chamada genética do comportamento, nome dado à ciência que estuda a influência dos genes na personalidade, ocorreu por causa dos avanços na engenharia genética e na biologia molecular. Os cientistas são capazes de fazer uma busca minuciosa em todo o genoma e encontrar regiões com genes capazes de influenciar o comportamento humano. Essas regiões podem ser identificadas em análises de amostras de sangue de irmãos ou familiares com os mesmos traços psicológicos. Já foram encontrados genes e regiões genômicas que tornam as pessoas mais vulneráveis a adoptar comportamentos agressivos ou a sofrer transtornos psíquicos. Também já foram detectados genes relacionados com a orientação sexual e a vícios como alcoolismo e tabagismo.

Os pesquisadores advertem que portar esses genes não significa que a pessoa necessariamente desenvolva o comportamento ligado a ele. Não existe determinismo genético, apenas predisposição. Os genes podem se expressar ou não. Alguns são ligados ou desligados pela própria dinâmica do genoma. Outros, pelas experiências pessoais, familiares e pelo ambiente em que a pessoa vive.

Um estudo do Instituto de Psiquiatria do King's College de Londres encontrou dois genes que actuam na libertação de neurotransmissores no cérebro. Esses genes são responsáveis pela depressão e pelas atitudes anti-sociais, mas só se manifestam em pessoas expostas a situações de grande stress, como perda de emprego ou morte de familiares.

Conclusão: ter predisposição genética à depressão não leva ninguém a ficar deprimido. O mesmo acontece com os distúrbios alimentares. Cientistas da Universidade da Carolina do Norte identificaram regiões genéticas similares em amostras de sangue de mais de 400 pacientes com anorexia ou bulimia. Os mesmos marcadores apareceram em pessoas sem os distúrbios, o que comprova a acção do ambiente.

Recentemente, investigadores do Instituto de Psiquiatria de Londres encontraram regiões do genoma que podem influenciar a inteligência. Um gene chamado LIMK1 produz uma proteína que ajuda a desenvolver a cognição espacial. As pessoas que têm esses genes levemente alterados também são inteligentes, mas não têm habilidades para desenho, por exemplo. Outro gene, o IGF2R, está associado à alta inteligência - a sua existência acarreta 4 pontos a mais no QI do portador.

A tendência para o suicídio também já foi identificada no genoma. Cientistas da Universidade de Ottawa, no Canadá, descobriram que pacientes portadores de uma mutação no gene responsável por codificar um dos receptores da serotonina, o neurotransmissor que causa sensação de bem-estar, apresentavam duas vezes mais risco de cometer suicídio.

A descoberta de genes que influenciam aspectos específicos da vida é o que há de mais novo na genética do comportamento. Grande parte das características humanas, porém, é produto de muitos genes - e não de apenas um, como ocorre com a maioria dos traços físicos e doenças. .

A psicóloga americana Judith Rich Harris foi uma das primeiras pesquisadoras a tentar medir a importância da genética, da família, do círculo de amizades e das experiências pessoais na formação da personalidade. No seu livro No Two Alike (Não Há Dois Iguais) Judith diz que a genética é responsável por no mínimo 40% do que somos. Em segundo lugar vêm os amigos, a maior influência que recebemos. Por último, a família. A maneira como somos vistos por nossos amigos faz com que passemos a investir em determinados comportamentos. Se o grupo costuma rir das brincadeiras de uma criança, ela se percebe como uma pessoa divertida e tenta repetir esse jeito de ser, incorporando-o para o resto da vida.

Nem todos os traços de personalidade, porém, sofrem influência tão marcante das experiências pessoais. Já se comprovou que o desenvolvimento da inteligência depende em grande parte de um ambiente familiar que a estimule. Os geneticistas estimam que, em duas décadas, será possível rastrear regiões genômicas em quantidade suficiente para conseguir mais do que pistas sobre a influência dos genes no comportamento. Graças à associação da psicologia e da genética, está aberto o caminho para elucidar a anatomia da personalidade.