A hipocondria

Medo da morte ou medo da vida?

Ter medo de estar doente é uma reacção normal de qualquer pessoa. A saúde é um bem inestimável e faz parte da fórmula da felicidade. A pessoa saudável tem mais possibilidades de aproveitar todos os seus recursos (inteligência, talento, energia, curiosidade, etc.) para se sentir bem consigo mesma e com o mundo. A doença surge como um entrave, um desconforto e retira energia às pessoas impedindo-as de se sentirem naquele magnífico estado de equilíbrio a que chamamos “bem-estar”.

É por isso que as pessoas hoje se preocupam mais com a saúde. Há uma maior consciência ecológica não apenas em relação ao mundo mas em relação a si mesmas. A consciência ecológica, em meu entender, deve também significar dar mais atenção ao corpo e à mente para que da harmonia resultante o organismo funcione perfeitamente e possamos dar o nosso contributo para um mundo melhor.

Mas existem pessoas que levam ao extremo a sua preocupação com a saúde. Uma simples dor de cabeça provoca-lhes rapidamente um estado de ansiedade intenso pois ficam imaginando que pode ser sintoma de algo grave, talvez um tumor. Uma palpitação – que decorre geralmente de tensão nervosa – é interpretada como podendo ser uma doença cardíaca séria.

A pessoa que reage desta forma exagerada pode ser hipocondríaca, isto é, julga-se doente pois interpreta todas as sensações incómodas do corpo como avisos de que algo está funcionando mal.

Elas entram então num processo obsessivo-compulsivo, numa espiral de ansiedade que as faz correr assiduamente para hospitais e clínicas em busca de explicação para aquilo que temem estar sofrendo.

O problema ficaria resolvido se o doente hipocondríaco não fosse inseguro. Ele sabe que a medicina é falível, que um exame clínico pode estar errado e que os médicos podem equivocar-se. Se seus sintomas, descartada a hipótese de doença efectiva, persistirem, o hipocondríaco continua procurando respostas.

Ele centra geralmente a sua atenção num órgão ou num sistema em particular (frequentemente o cardiovascular ou o digestivo). Então, passa a perceber todas as sensações que aí têm origem. Ele não dá importância ao facto de que nosso organismo não é silencioso nem está inerte; há sempre pequenas sensações que ocorrem porque o organismo está em pleno e normal funcionamento.

O hipocondríaco teme essas sensações, entra em pânico perante uma ligeira náusea ou uma tímida palpitação. Ele as sente de forma ampliada (devido a sua alta concentração no problema) e atribui-lhes um significado clínico, fruto de sua imaginação ou da leitura obsessiva de revistas, livros e busca na internet sobre as sua(s) doença(s) imaginárias.

O que torna uma pessoa hipocondríaca?

Geralmente, o hipocondríaco tem inscrito na sua personalidade um traço de ansiedade generalizada que o torna numa pessoa em permanente estado de alerta.O seu sistema cerebral de vigilância (um mecanismo normal de sobrevivência) está muito activado e por isso vive observando o corpo a todo o momento.

Há hipocondríacos que devem esse traço de personalidade a factores hereditários. Outros a uma infância em que tenham vivido episódios de medo extremo, sofrido alguma doença real prolongada, terem convivido com familiares doentes crónicos ou terem assistido a alguma morte de alguém próximo.

Devido à sua natureza, a sua fixação no corpo e nos processos orgânicos, o hipocondríaco apresenta o seguinte perfil: preocupa-se com a hipótese meramente teórica de estar gravemente doente; interpreta erradamente as sensações e outros sinais de seu corpo; não confia nos exames clínicos e vive em estado depressivo devido à permanência do medo e da preocupação. Facilmente se conclui que sua vida não é fácil.

Na verdade, 4 a 5% dos pacientes na prática médica sofrem de hipocondria. Não é uma doença – prefiro considerá-la uma perturbação de ansiedade - mas, de facto, eles devem ser considerados doentes e como tal tratados para que seus medos deixem de os perturbar. O problema é que o hipocondríaco não é acessível. Ele está sempre a mudar de médico e não aceita apoio psicológico ou psiquiátrico pois considera-se uma pessoa em seu perfeito juízo. Mal ele sabe que o seu problema é mesmo de foro mental e que a psicoterapia poderia ajudá-lo bastante, eventualmente com a ajuda de um breve tratamento anti-depressivo.

Como enfrenta o médico um hipocondríaco?

O hipocondríaco torna-se facilmente numa pessoa aborrecida. Ele revela a sua desconfiança no apoio médico pois a notícia de que não tem doença alguma não o conforta. Ele continua desconfiado. Isto faz com que os médicos, por vezes, se fartem destas pessoas pois colocam em causa os seus conhecimentos e experiência, mesmo que aqueles não os exprimam verbalmente.Alguns médicos preferem evitar os seus doentes hipocondríacos e os tratam de forma ligeira e breve. O que aguça o problema. Outros poderão revelar alguma incapacidade e paciência para os ouvir.

Como estudioso da relação mente/corpo eu me permito sugerir aos médicos que tratem dos hipocondríacos como doentes que necessitam de ser abordados de forma diferenciada. Reparem: a maioria dos doentes com outras enfermidades confia plenamente na medicina e nos seus técnicos e se entregam nas suas mãos. Mas, e os hipocondríacos? Não reagem assim. Eles persistem crendo que estão doentes. Talvez seja útil deixar os hipocondríacos para a última consulta para lhes dar mais tempo. Nada como dar-lhes uma aula de medicina fazendo valer os muitos anos de estudo e prática médica para que o doente serene.

Psicossomática da hipocondria

No livro do médico Rudiger Dahlke, “A doença como símbolo” (ed. Cultrix) este escreve que “o corpo é o palco de acontecimentos desconhecidos da alma” e cita, a propósito, o escritor Peter Altenberg que afirma: “A doença é o grito de uma alma agredida”.

Talvez o hipocondríaco seja precisamente aquele que mais precisa meditar sobre aquelas duas máximas pois seu problema é psico-afectivo e não orgânico. Ele somatiza os seus medos, a sua angustia existencial. Ele quer viver plenamente mas o seu ego se retrai perante desafios cujas coordenadas desconhece. Ele tem dificuldade em se auto-conhecer e experimentar a aventura de viver. Ele recolhe-se em seu casulo. Ele preferiria regressar ao ventre da mãe onde se sentiu, em tempos, protegido. Ele é um assustado animal que se perdeu na floresta e desconhece o caminho do regresso.

E, assim, a hipocondria pode ser definida como uma perturbação de natureza psicossomática onde a mente angustiada exerce tão grande pressão sobre o organismo que as sensações mais inofensivas se transformam em medo. Não tanto o medo da morte mas, pior ainda, o medo da vida!
Nelson S Lima