Não é o cérebro que sente emoções, como não é o cérebro que pensa.
Nunca dizemos “o meu cérebro sente” nem “o meu cérebro está a pensar”.
Somos nós, na totalidade do ser, que sentimos e pensamos.
Nós somos mais do que o nosso cérebro.
Somos mais do que a nossa mente.
Somos uma entidade integral, com uma personalidade multifacetada, onde os pensamentos, as memórias, os sentimentos e as emoções são provocados pelas experiências do viver e moldados pelas nossas relações com os outros.
Nelson S Lima
A emotividade é uma das características mais evidentes da espécie humana. O exercício de viver inclui uma ampla gama de estados emocionais que é única em todo o reino animal pela sua variedade, intensidade, extensão, profundidade, variabilidade e amplitude.
As emoções afectam toda a nossa vida: os pensamentos, os sonhos, as relações humanas, as decisões, as escolhas, etc. Invadem-nos a alma, o intelecto, o corpo. Atiçam a imaginação. Servem de tema e energia aos sonhos. Estão presentes em todas as formas de arte (na literatura, no cinema, no teatro, na dança, etc.). Na verdade, a vida humana sem as emoções seria excessivamente racional, mecânica, fria e descolorida.
Recentes estudos (J.LeDoux,1996) levam a acreditar que as emoções podem não estar tão distantes do pensamento e do intelecto como antigamente se pensava. Elas parecem ser produto de uma “sabedoria evolutiva” e revelam algum tipo de inteligência adicionado.
Primariamente, podemos admitir como seguro que as emoções têm um papel decisivo na sobrevivência. Um bom exemplo disso é a emoção do medo que permite que as pessoas sejam mais prudentes e corram menos riscos. Esta emoção protege-nos de nos lançarmos em acções que podiam fazer perigar a nossa vida. Com o medo aprendemos a perceber os limites.
Depois, vem uma outra função para as emoções: a social. Através das emoções somos mais capazes de estabelecer relações afectivas, cordiais e construtivas com os outros e daí resultarem benefícios para todos (cooperação, partilha, ajuda, etc.).
Através destes exemplos podemos concluir que as emoções existem nos seres humanos (e noutros animais) há muito tempo, executam tarefas de defesa, protecção e ajuda visando, afinal, a sobrevivência. A sua origem e a sua finalidade central são, por conseguinte, biológicas mas com um tremendo impacto nas restantes actividades mentais.
Isso explica porque as emoções acontecem, numa primeira fase, em níveis não conscientes. Elas são accionadas por processos de percepção rapidíssimos que apreendem as situações através de um sistema neurológico complexo e ditam as respostas necessárias adequadas a cada situação. Por isso é que primeiro sentimos as emoções e depois pensamos sobre as suas causas e sensações provocadas.
Esse é o papel sobretudo das chamadas emoções primárias, básicas ou primitivas pois estão também presentes em outros animais. Mas existem, no ser humano, emoções mais complexas (na verdade, parecendo ser uma mistura de emoções) que são provocadas por situações de natureza mais social. É o caso da vergonha. É uma das quatro emoções que estão ligadas à nossa auto-consciência (isto é, a consciência de quem somos). As outras três são o acanhamento, o orgulho e a altivez.
A vergonha é reconhecida como a emoção da inferioridade e tem um problema. Segundo diz Annie Emaux “o pior da vergonha é que quem a sente julga ser o único a tê-la” numa dada situação. É uma experiência muito pessoal e íntima, que arremete contra a nossa auto-confiança. Constantes experiências de vergonha na nossa vida podem destruir a auto-estima, tornar-nos tímidos e, por fim, empurrar-nos para comportamentos inibitórios (que nos inibem) e evitantes (fugas das situações).
É evidente que um pouco de vergonha não faz mal a ninguém. Pode até ser benéfico. O problema de se ter vergonha só se coloca como indesejável quando esta toma conta da nossa vida e nos impede de sermos felizes!
Teorias antigas
Apesar de fazerem parte da nossa natureza, desde mesmo antes de nascermos, as emoções só muito recentemente mereceram a atenção da ciência. Os conhecimentos que hoje temos desta matéria são muito vastos.
Existem diferentes abordagens no estudo das emoções. Conforme a perspectiva, o entendimento varia. Para uns, as emoções são reacções biológicas, próprias da nossa natureza animal. São mecanismos de sobrevivência, mesmo que tenham também funções sociais. Elas existem nos seres humanos pelas mesmas razões que existem em muito outros animais. Para outros são simplesmente estados mentais provocados pelo sistema nervoso em resultado de determinados de estímulos. Outros autores preferem afirmar que as emoções são formas de pensamento. Outras correntes sugerem que elas são formas de consciência do mundo, isto é, janelas através das quais apreendemos a realidade e a transformamos.
Durante muito tempo as emoções foram consideradas como elementos perturbadores do raciocínio e do comportamento. O filósofo Platão, que viveu cerca de 400 anos antes de Cristo, terá sido o primeiro teórico das emoções. Ele achava as emoções como algo desconcertante, opostas à razão, pelo que deveriam ser refreadas. Não foi o único a pensar assim. Cícero, filósofo romano que viveu mais tarde, entre os anos 106 e 43 antes de Cristo (a.C.), declarou que as emoções tinham o seu quê de estupidez e ignorância pois elas insurgiam-se contra a inteligência e a razão; por conseguinte, as emoções eram indesejáveis.
O estoicismo (uma doutrina filosófica que apareceu no século III a.C.) condenava as emoções, fazendo a apologia da razão e da inteligência. Os estóicos (os seguidores daquela doutrina) consideravam, todavia, quatro emoções fundamentais: o “desejo” (de bens futuros); a “alegria” (pelos bens presentes), o “temor” (pelos males futuros) e a “aflição” (pelos males presentes).
Já o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), que também dedicou alguma da sua atenção ao estudo das emoções, escreveu que “as emoções são todos aqueles sentimentos que mudam as pessoas de forma a afectar os seus julgamentos” e têm a ver ou com a dor ou com o prazer. E exemplificou: “Quando as pessoas se sentem amistosas e afáveis pensam um tipo de coisa; quando se sentem iradas e hostis, pensam em outra coisa completamente diferente, ou a mesma coisa com uma intensidade diferente”.
É curioso que apesar da distância no tempo (mais de 2 mil anos), alguns elementos que Aristóteles referiu sobre as emoções mantêm-se actuais. Disse ele:
a)As emoções estão ligadas ao pensamento.
b)Elas podem ser agradáveis ou desagradáveis.
c)Incitam à acção.
d)Baseiam-se nas avaliações que fazemos das situações.
O estudo mais acentuado do papel social das emoções teve a sua origem nas análises dos naturalistas dos séculos XVI e XVII. Reconhecia-se então que todo o homem procura os seus semelhantes não apenas para satisfazer interesses e necessidades mas também pelo prazer que lhes proporciona a convivência e familiaridade.
Santo Agostinho (1548-1600 d.C.) associou as emoções à sensibilidade do espírito humano, frisando o seu carácter activo e responsável: “todos os movimentos da alma não são mais do que vontade”. E interrogava-se: “O que é o medo e a tristeza senão vontade que repudia coisas não desejadas? Segundo a diversidade das coisas desejadas e evitadas, a vontade humana, ao permanecer atraído por elas ou ao rejeitá-las, transforma-se nesta ou naquela emoção”.